Espaço era anunciado como 'linda casa de época moderna'. Airbnb afirma que 'desativou a referida acomodação para reservas enquanto avalia o caso'. 'Dopinho' é considerado o primeiro centro clandestino de detenção do Cone Sul. Anúncio da casa onde funcionou centro de detenção do regime militar em Porto Alegre
Airbnb/Reprodução
Usuários de um site de hospedagem encontraram na internet um anúncio de um imóvel que abrigou um centro clandestino de detenção do regime militar em Porto Alegre. Conhecido como "Dopinho", em alusão ao DOPS, o espaço funcionou entre 1964 e 1966 na Rua Santo Antônio, no bairro Bom Fim.
Em nota, a plataforma Airbnb afirma que "desativou a referida acomodação para reservas enquanto avalia o caso". A empresa ainda sustenta ter "regras e políticas que determinam como a comunidade deve usar a plataforma para criar uma experiência em que as pessoas se sintam em casa em qualquer lugar e está comprometido a aplicar suas políticas para proteger a comunidade".
O anúncio mencionava o local como uma "linda casa de época moderna" e uma "casa de estilista, remodelada e serenamente jardinada em 1927". Não havia, contudo, menção ao histórico do imóvel.
Conforme o projeto "Marcas da Memória", que identifica nove lugares da que serviam como centros de detenção do regime militar em Porto Alegre, o "Dopinho" foi o primeiro centro clandestino de detenção do Cone Sul.
Anúncio da casa onde funcionou centro de detenção do regime militar em Porto Alegre
Airbnb/Reprodução
Uma das usuárias que se surpreendeu com o histórico da casa foi a ilustradora Kaol Porfírio, que vive em Santa Catarina. Ela buscava um imóvel para hospedagem em Porto Alegre.
"Era o lugar mais bonito e estava em promoção no catálogo do site. Era impressionante como um lugar tão grande e bonito estava num preço tão bom. Só que antes de fechar o aluguel nós conferimos os reviews", diz.
Kaol então percebeu alguns comentários sobre a origem da casa e procurou por mais informações na internet.
"Não imaginava a história que tinha", fala.
Anúncio da casa onde funcionou centro de detenção do regime militar em Porto Alegre
Airbnb/Reprodução
Na página, já apagada, um dos comentários tratava da história do imóvel. "A casa tem uma energia péssima, vários pichos na frente com a palavra 'sangue'", dizia um dos hóspedes.
Outra pessoa escreveu: "Infelizmente tivemos uma experiência muito ruim. De início ficamos surpresos que o local é na verdade o antigo Dopinho, casa de repressão e tortura da época da ditadura no Brasil. Embora os donos não tenham comentado nada, há uma placa no chão, na porta da casa".
Placa recolocada em frente a antigo centro de tortura em Porto Alegre
Maria Emília Portella/SMDS/PMPA/Divulgação
'Sequestro, interrogatório, tortura e extermínio'
Uma placa do projeto "Marcas da Memória" foi instalada no local em 2015, contando a história do imóvel.
"No numero 600 da Rua Santo Antônio, funcionou estrutura paramilitar para sequestro, interrogatório, tortura e extermínio de pessoas ordenados pelo regime militar de 1964. O major Luiz Carlos Menna Barreto comandou o terror praticado por 28 militares, policiais, agentes do DOPS e civis, até que apareceu no Guaíba o corpo com as mãos amarradas de Manoel Raimundo Soares, que suportou 152 dias de tortura, inclusive no casarão. Em 1966, com paredes manchadas de sangue, o Dopinho foi desativado e os crimes ali cometidos ficaram impunes", diz o texto.
No entanto, a peça foi retirada pelos proprietários do imóvel. Só após um inquérito aberto pelo Ministério Público, foi feito um acordo para a reinstalação do objeto. Como a casa é inventariada, qualquer modificação deveria ter sido comunicada previamente a autoridades. A placa foi reinstalada em abril de 2021.
Placa foi retirada e espaço foi concretado na frente do local onde funcionou o Dopinho, em Porto Alegre
Agência RBS/André Ávila
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